Editorial O surgimento do interculturalismo |
À medida que nosso mundo interconectado e socialmente dinâmico gira em torno de uma pandemia, tanto indivíduos quanto comunidades foram forçados a voltar a um "novo normal", enquanto aplicam as lições aprendidas ao longo do último ano. As relações culturais são parte vital desse novo cenário, e estudiosos de todos os lugares estão estudando os aspectos culturais, raciais, étnicos, religiosos e sociais de várias nações e regiões, em um esforço para entender melhor os efeitos dessa evolução coletiva.
Em meio a essa realidade global, a interculturalidade emergiu como uma posição em favor da diversidade, uma vez que, ao focar no indivíduo e não em seu pertencimento a um grupo, as velhas ideias de preservação e construção de nação não são mais perseguidas como objetivos, mas se tornam obstáculos para o propósito final, que é a mistura social, plural.1 Ser um cidadão do mundo é mais importante do que nunca.
Os despertares sociais levaram a intensas rodadas de protestos durante grande parte de 2020 e 2021. Os jovens, sem esperança, olham para seu futuro e o do planeta e se perguntam se as gerações anteriores o levaram muito além do ponto de ruptura. Em 2010, Stéphane Frédéric Hessel, um diplomata francês, membro da resistência francesa e sobrevivente de um campo de concentração, publicou o livro Indignez-vous!, que conclama os jovens a ficarem indignados com os mercados de capitais que querem transformar seus direitos humanos básicos em produtos. Hessel argumenta que a resistência é a única ação coletiva viável para superar a apatia, o desencantamento e a automação deixados pelo neoliberalismo.2 Suas ideias, assim como as dos liberais sociais, fundiram-se com as redes sociais e criaram movimentos sem precedentes.
Na Colômbia, esses protestos tiveram um novo fôlego no primeiro semestre de 2021. No verão de 2020, as lições que aprendemos com o Black lives matter, nos Estados Unidos, mostraram que uma mudança real é possível através da ação coletiva. Nesses cenários, observou-se interculturalidade no intercâmbio de ideias, bens e serviços entre indígenas e estudantes universitários. As práticas dessas comunidades ancestrais e seus relacionamentos têm um caráter milenar e respondem a uma visão de mundo diferente. Reconhecer e valorizar povos, comunidades e culturas que coexistem na sociedade promove a construção de relações baseadas na equidade social, na solidariedade, na aceitação, no respeito à diferença e na harmonia. Infelizmente, os protestos pacíficos na Colômbia foram marcados pela violência e terminaram depois que as autoridades identificaram atividades criminosas dentro da principal organização.3
Esta edição da revista Novum Jus apresenta aos seus leitores a interculturalidade como tema central. O artigo "Reflexões sobre a cotidianidade e a integralidade dos direitos humanos" prepara o terreno para discutirmos as aplicações habituais dos direitos humanos. Na mesma linha, "Educação e interculturalidade: proposta dos povos étnico-territoriais reconhecidos desde 1991 na Colômbia" apresenta uma proposta, numa perspectiva de interculturalidade, para que os educadores atendam melhor as minorias étnicas na Colômbia. Por sua vez, "Verdade e flagrância", "A acusação múltipla e a 'paridade de armas' no sistema acusatório argentino" e "Crime e subcultura carcerária: como minimizar o processo de dessocialização?" analisam as implicações filosóficas, internacionais e sociológicas do sistema de justiça criminal em vários Estados-nação.
A equipe editorial da Novum Jus tem muito orgulho de apresentar esta edição, a primeira após ser incluída na Scopus e na Web of Science. Todos esses reconhecimentos são o resultado do tempo e do esforço investidos na qualidade do trabalho que publicamos. O acervo aqui incluído aproveita as discussões em curso sobre o interculturalismo, mostrando o trabalho de acadêmicos com ampla diversidade geográfica, sempre em atenção à nossa incansável ânsia por novas formas de alcançar um público mais amplo, sem deixarmos de ser fiéis ao princípio da originalidade e da relevância acadêmicas que nos identificam.
Laura C. Gamarra Amaya
Editora executiva da Novum Jus
Notas
1 Tariq Modood e Fethi Mansouri, "The Complementarity of Multiculturalism and Interculturalism: Theory Backed by Australian Evidence", Ethnic and Racial Studies 44, núm. 16 (2021): 10, doi: 10.1080/01419870.2020.1713391 (acesso: 10 de agosto de 2021).
2 Stéphane Frédéric Hessel, Time for Outrage: Indignez-vous! (Nova York: Twelve, 2011), 11.
3 Julie Turkewitz, "Why are Colombians Protesting?", The New York Times, Sec. Américas, 18 de maio de 2021, https://www.nytimes.com/2021/05/18/world/americas/colombia-protests-what-to-know.html?searchResultPosition=2
Referências
Hessel, Stéphane Frédéric. Time for Outrage: Indignez-vous! Nova York: Twelve, 2011.
Modood, Tariq e Fethi Mansouri. "The Complementarity of Multiculturalism and Interculturalism: Theory Backed by Australian Evidence". Ethnic and Racial Studies 44, núm. 16 (2021): 1-20, doi:10.1080/01419870.2020.1713391 (acesso: 15 de agosto de 2021).
Turkewitz, Julie. "Why are Colombians Protesting?". The New York Times, Sec. Américas, 18 de maio de 2021. https://www.nytimes.com/2021/05/18/world/americas/colom-bia-protests-what-to-know.html?searchResultPosition=2