http://dx.doi.org/10.14718/NovumJus.2020.14.2.1

Editorial

O Sul Global e a realidade social da América Latina:
rumo à construção de novos paradigmas


Fernanda Navas-Camargo

Professora pesquisadora do grupo de pesquisa "Pessoa, instituições e exigências de justiça, da Faculdade de Direito da Universidad Católica de Colombia

Editora convidada


O objetivo deste número é apresentar a repercussão que a aplicação do direito tem no futuro dos fenômenos sociais no Sul Global. Este número está dirigido a analisar, sob várias óticas, problemáticas que, considerando as particularidades dessa parte do planeta, configuram a necessidade de continuar com os esforços de promover os pensamentos que nos são próprios.

No momento de escrever este texto, o mundo inteiro se encontra em um estado de emergência sanitária sem precedentes. Isso leva de imediato a considerar a maneira em que começam a se transformar os problemas sociais tradicionais — se assim podem ser chamados os crimes de habitual execução — e tomam um lugar preferente na consciência coletiva os atos e pensamentos para superar as incertezas, gerar bem-estar e procurar uma nova ideação de forma de existir. Isso porque, como já vem sendo bastante mencionado, voltar ao que conhecíamos como normalidade não é uma opção inteligente. Considerar aquele estado de coisas como normal supõe retroceder no muito ou no pouco o que conseguimos evoluir durante os dias de isolamento social obrigatório, que está manchado de mortes, contágios e, em alguns casos, de esperançosas cifras de recuperação sanitária.

Essa evolução — que ainda continuará — não pode desconhecer o lugar de onde viemos. Será fundamental continuar a observação sociojurídica, o que implica ter plena consciência daquilo que acontece ao nosso redor e incidir na maneira como são desenvolvidas nossas relações interpessoais nos âmbitos privados e sociais.

Por isso, é considerado como elemento-chave para a transformação atual a apresentação dos resultados de trabalhos de pesquisa que vêm tendo como objetivo comum observar, criticar e propor ações sobre a repercussão do direito nos acontecimentos sociais.

Parte deste número da Novum Jus tem como objetivo expor um panorama sobre o estado do estudo da criminologia a partir da perspectiva do Sul Global. As propostas apresentadas transitam por temas diversos como a revisão da maneira como são aplicados certos conceitos dentro do âmbito de estudo da criminologia ou a necessidade de recuperar o pensamento sobre a criminologia criado na Colômbia, liderado por Emiro Sandoval Huertas, que, após sua morte, na tomada do Palácio da Justiça, não evoluiu da maneira esperada.

É feita uma revisão do estado da arte no contexto latino-americano a respeito do conceito de violência simbólica e sua utilização em textos acadêmicos. O período analisado abrangeu de 2009 a 2019 e concluiu-se que o contexto em que a maior utilização do termo é apresentada é o dos estudos de gênero.

Além disso, do Peru, é feita uma crítica ao Código de Responsabilidade Penal de Adolescentes do país por não incluir — nem sequer considerar — a necessidade de elaborar um perfil criminológico dos adolescentes infratores e seu consequente impacto na segurança cidadã. É argumentada a ineficácia do sistema atual que, ainda, está apoiado em um proceder inconstitucional e na ausência do Estado ante a readaptação e reinserção social efetiva.

A perspectiva de gênero recebe uma importante contribuição com a análise da deficiência conceitual sobre o reconhecimento dos danos específicos que as mulheres vítimas dos conflitos armados recebem no mundo inteiro. São revisados os estados de transição e é contextualizado o estudo dentro das margens do direito internacional público e das teorias feministas. Como resposta à deficiência encontrada, é proposto o conceito dos "danos pelo reconhecimento secundário".

Para retomar a problemática que vem sendo a base de inúmeros conflitos relacionados com a violência, a desigualdade social e a inequidade, é apresentado um estudo que expõe o proceder do crime transnacional organizado do narcotráfico, em específico dos cartéis do México e da Colômbia.

Em seguida, é feito um aprofundamento em reflexões jurídicas sobre o sistema legal colombiano e a aplicação das diretrizes antecipadas da vontade. A tomada de decisão prévia ante uma intervenção médica é controversa, mas pertinente, diante do estado de emergência sanitária mundial em que a pandemia da Covid-19 nos tem colocado. Possibilitar o cumprimento da vontade dos pacientes significa um avanço na proteção dos direitos humanos.

Também é muito oportuno, diante do contexto mundial de 2020 e, de certa forma, das consequências negativas da pandemia, como é o aumento dos índices de violência intrafamiliar, refletir sobre a missão policial das Casas de Justiça e dos Centros de Convivência Cidadã. Além disso, sobre o direito das crianças quanto à nacionalidade e à situação de apátridas. Ainda, é analisada a tendência política de esquerda, a qual considera politicamente relevante o elemento democrático na Colômbia, e é incluída uma perspectiva histórico-sociológica para sua análise.

Este número é resultado do trabalho conjunto realizado por mentes curiosas que não ficam passivas diante do desenvolvimento das nossas realidades sociais. Tudo isso somado à crescente visibilidade e ao reconhecimento regional, nacional e internacional que tem atingido a revista Novum Jus, especializada em sociologia jurídica e política, da Faculdade de Direito da Universidad Católica de Colombia, tornam esta edição leitura obrigatória.



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