10.14718/NovumJus.2021.15.2.1

Editorial


Um espaço para a interdisciplinaridade



A sociologia jurídica e a sociologia política, ainda que as entendamos como especialidades da Sociologia ou como disciplinas que ostentam uma episteme e um método próprios, estão sendo enfrentadas por um dilema partilhado dentro do fazer científico. Os problemas de pesquisa que enfrentam, em muitas ocasiões, estão na fronteira entre diversos saberes disciplinares e parecem apresentar, ao pesquisador que se aventura no universo sociojurídico e sociopolítico, um panorama que, a princípio, poderia ser percebido como confuso e difícil de encontrar caminhos que o guiem por meio dessa fronteira e que lhe permitam manter no horizonte uma visão ampla deles . Ao contrário, poderia ser mais factível que a escolha desses caminhos seja por afinidades pessoais ou múltiplas variáveis contextuais das quais dificilmente ele pode escapar e que o conduzam pouco a pouco a uma imersão numa disciplina particular que o afasta desse limite em que é possível o encontro de saberes.

Dessa forma, problemas de pesquisa que exigem a construção de diálogos dentro do conhecimento científico para oferecer respostas mais profundas e pertinentes podem ser facilmente desviados a uma direção em que a necessidade de impor uma cosmovisão a partir do hermetismo reivindique e imponha seus compromissos epistemológicos sobre o objeto de estudo. Nesse sentido, cabe perguntar como se aproximar de um objeto de estudo cujas particularidades despertem a atenção de uma multiplicidade de saberes? A resposta pode ser encontrada no paradigma da interdisciplinaridade.

A comunidade acadêmica vem tendo que aceitar que, no contexto das Ciências Sociais, a interdisciplinaridade obteve suas bases a partir de 1920 e que foi consolidada na literatura como referente no âmbito científico nos anos 1970.1 Desde então, vem sendo possível observar esforços acadêmicos focados na necessidade de definir e delimitar os estudos interdisciplinares. Paradoxalmente, esse exercício de submeter o interdisciplinar a regras de jogo estáticas, próprias do frenesi científico contemporâneo de transformar o social em unidades mensuráveis, pode levar à sua desnaturalização.

Contudo, se revisarmos os princípios do pai do pensamento complexo, Edgar Morin, sobre o interdisciplinar, saberemos que essa é uma categoria que pode ser usada para ampla vaguidade, tanto epistêmica quanto metodológica.2 É difícil pensar o interdisciplinar mais além de identificar que existem múltiplas explicações que as ciências podem dar a fenômenos sociais compartilhados e dotar de valor essa diversidade de possíveis interlocuções. Por essa razão, talvez, uma forma adequada de definir a interdisciplinaridade seria situá-la como discurso.

É importante lembrar que, embora partamos de uma visão formalista ou funcionalista e a multiplicidade de interpretações do fenômeno discursivo,3 o discurso responde à necessidade de transmitir e dotar de significado uma mensagem. Dessa forma, poderíamos pensar a interdisciplinaridade como discurso que leva em seu seio a intenção de significar uma mensagem sob a forma de convite a um jogo pendular. O interdisciplinar, situado na fronteira entre saberes, oscila entre as disciplinas. Está situado entre os saberes particulares e historicamente estruturados, sem perder de vista a diversidade no conhecimento. Um esforço realizado na direção de uma disciplina implica a transmissão do mesmo esforço a outra. O equilíbrio e a possibilidade de movimento que o diálogo de saberes suscita e que abre caminhos por meio do dogmatismo epistêmico são a imagem que idealiza esse discurso.

Pois bem, as ideias até agora desenvolvidas não pretendem de forma alguma diminuir o valor do processo histórico da consolidação do conhecimento científico.4 Mais do que uma crítica ou luta frontal contra uma suposta unidimensionalidade disciplinar, como já se estabeleceu, a interdisciplinaridade é uma porta aberta que convida a pensar, sob uma perspectiva complementar, a produção de conhecimento; uma abordagem que permite inaugurar debates e que incentiva a inovação metodológica.5

Por sua vez, como poderia indicar quem se dedica ao estudo da epistemologia, se existem compromissos epistêmicos que são sinalizados como problemáticos no saber exclusivamente disciplinar, não é possível à interdisciplinaridade fugir dessa condição que parece conatural ao indivíduo de conhecimento. Se quiséssemos identificar um compromisso epistêmico no interdisciplinar, seria o que está apoiado a partir do diálogo como arquétipo fundante e estruturante do conhecimento científico. Nesse sentido, sem intenção alguma de reduzir o debate, um princípio dialógico que é justificado sob a complexidade dos fenômenos sociais poderia ser suficiente para mostrar o escopo desse discurso.

É necessário contribuir com novos espaços que permitam explorar as oportunidades que a interdisciplinaridade oferece. Nesse contexto. A Novum Jus se posiciona como um espaço de fronteira, um lugar para pensar o universo do sociojurídico e do sociopolítico a partir do jogo pendular. É uma revista que reafirma sua vocação interdisciplinar e abre suas portas para o diálogo entre saberes que permita tornar a leitura dos fenômenos sociais complexa.

Eduardo Andrés Perafán del Campo
Editor acadêmico da Novum Jus



Notas

1 Raymond Miller, "Interdisciplinarity: Its meaning and consequences", Oxford Research Encyclopedias (agosto, 2020): 2, https://doi.org/10.1093/acrefore/9780190846626.013.92

2 Edgar Morin, "Sur l'interdisciplinarité" en Carrefour des sciences. Actes du Colloque du Comité National de la Recherche Scientifique. Interdisciplinarité, dir. François Kourilsky (París: Éditions du CNRS, 1990).

3 Deborah Schiffrin, "Definiciones de discurso", CPU-e, Revista de Investigación Educativa, núm. 13 (julho-dezembro, 2011): 3.

4 Thomas Kuhn, The Structure of Scientific Revolutions (Chicago: The University of Chicago Press, 2012), 15.

5 Eduardo Andrés Perafán del Campo, "Estética, ideología y espacio público", Utopía y praxis latinoamericana 24, núm. 4 (julho, 2020): 68.



Referências

Kuhn, Thomas. The Structure of Scientific Revolutions. Chicago: The University of Chicago Press, 2012.

Miller, Raymond. "Interdisciplinarity: Its meaning and consequences". Oxford Research Encyclopedias (agosto, 2020): 1-30, https://doi.org/10.1093/acrefore/9780190846626.013.92

Morin, Edgar. "Sur l'interdisciplinarité" em Carrefour des sciences. Actes du Colloque du Comité National de la Recherche Scientifique. Interdisciplinarité, dirigido por François Kourilsky. Paris: Éditions du CNRS, 1990.

Perafán del Campo, Eduardo Andrés. "Estética, ideología y espacio público". Utopía y praxis latinoamericana 25, núm. 4 (julho, 2020): 65-83.

Schiffrin, Deborah. "Definiciones de discurso". CPU-e, Revista de Investigación Educativa, núm. 13 (julho-dezembro, 2011): 1-33.



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